Entre Cores e Começos
Entre Cores e Começos
Eu nunca soube desenhar linhas perfeitas nem pintar com exatidão, mas desde muito cedo compreendi, de forma quase instintiva, que uma caixa de lápis de cor podia conter histórias inteiras. Histórias feitas de dias vibrantes, cheios de movimento e entusiasmo, mas também de dias cinzentos, mais lentos, nebulosos, daqueles em que o brilho do mundo parece se esconder. Eram cores que, à primeira vista, pareciam não se encaixar, mas que, quando olhadas com cuidado, revelavam paisagens que, de algum modo, faziam sentido, mesmo nos seus contrastes e imperfeições.
Na infância, eu gostava de alinhar os lápis dentro da caixa, como se ao organizar aquele pequeno universo de cores, eu pudesse trazer alguma ordem ao mundo ao meu redor. Havia algo de mágico em colocar cada tom em seu lugar, tentando transformar o caos do lado de fora em algo mais compreensível, mais leve, mais meu. Mas a vida, com sua própria lógica misteriosa, não obedece à simetria nem aos padrões que tentamos impor. Ela nos apresenta nuances imprevistas, mistura tons improváveis e, vez ou outra, nos obriga a lidar com traços que escapam das bordas e mancham o papel de formas que nunca imaginaríamos.
Foi nesse descompasso entre o desejo de controle e a imprevisibilidade da existência que fui compreendendo, aos poucos, que viver é, na verdade, aprender a trabalhar com as cores disponíveis, mesmo quando elas borram ou desafiam o que esperávamos. Nem todos os dias chegam com a luz que gostaríamos. Alguns pedem silêncio, introspecção, delicadeza. Outros exigem entrega, coragem, e o gesto quase simbólico de apontar o lápis e recomeçar. E tudo bem. Cada cor tem sua função, cada traço contribui para o quadro maior que, mesmo sem rascunho prévio, vamos desenhando com as próprias mãos e escolhas.
A verdade é que somos feitas de paletas vivas e inconstantes, e há beleza em reconhecer isso. Há beleza em aceitar que estamos sempre nos refazendo, nos misturando, nos recompondo. Somos esboço e obra ao mesmo tempo, história aberta e paisagem em transformação. E talvez a graça da vida esteja exatamente aí, na liberdade de permitir que novas cores entrem, mesmo quando não sabemos ainda o que elas vão pintar ou se ficarão dentro das linhas que um dia desenhamos.
Escrevo isso como uma forma de me lembrar que tudo bem recomeçar, mesmo que o desenho ainda esteja indefinido. Que há dias em que apenas segurar um lápis de cor e traçar um risco no papel já é o bastante para afirmar que ainda estamos aqui, tentando com o que temos. E que mesmo os tons mais escuros carregam valor, pois são eles que oferecem profundidade, contraste e, muitas vezes, nos ajudam a enxergar com mais clareza a luz que vem depois.
Que este texto seja um lembrete gentil: você não precisa ter tudo alinhado para continuar. Basta estar disposta a escutar, com presença, quais são as cores que hoje pedem passagem. Porque cada fase da vida traz uma nova paleta, e é nesse movimento constante, nessa dança de cores, silêncios e recomeços, que a gente se encontra, se reinventa e, aos poucos, floresce.